Entrevista com o O´Sensei - Parte 2

25-03-2011 08:41

B: Então, em budo, não é bom ser forte. A unificação da ken e do zen é ensinada desde a antigüidade. Sem dúvida, não se pode compreender a essência do budo sem esvaziar a mente. Nesse estado, nem o certo ou o errado têm significado.
UESHIBA: Como eu disse antes, a essência do budo é o Caminho do masakatsu e agatsu.
B: Ouvi uma estória sobre como o senhor se envolveu em um combate com cerca de 150 trabalhadores.
UESHIBA: Estive? Se me lembro... Deguchi Sensei foi à Mongólia em 1924 para realizar o seu objetivo de uma Comunidade Asiática maior, alinhada com a política nacional. Eu o acompanhei a seu pedido, embora estivesse convocado para o exército. Viajamos pela Mongólia e Manchúria. Neste último país, encontramos um grupo de bandidos montados e houve um pesado tiroteio. Devolvi o fogo com uma mauser (pistola alemã) e então comecei a correr para o meio dos bandidos, atacando-os violentamente e eles se dispersaram. Tive sucesso em escapar do perigo.
A: Sensei, sabemos que o senhor tem muitas ligações com a Manchúria. O Senhor passou muito tempo lá?
UESHIBA: Desde aquele incidente, tenho ido à Manchúria com bastante freqüência. Eu era conselheiro para artes marciais na organização Shimbuden, bem como na Kenkyoku University na Mongólia. Por esta razão, sou bem recebido naquele país.
B: Hino Ashihei escreveu uma estória chamada "Oja no Za" na Shosetsu Shincho, na qual relata a juventude de Tenryu Saburo, dissidente do mundo do Sumo e do seu encontro com a arte marcial do Aikido e seu verdadeiro espírito. Isto tem algo a ver com o senhor, Sensei?
UESHIBA: Sim.
UESHIBA: Sem dúvida, é muito diferente. Se olharmos para trás no tempo, veremos o quanto as artes marciais têm sido maltratadas. Durante o Período Sengoku (1482-1558, "Sengoku - = países em guerra) os suseranos locais usaram as artes marciais como uma ferramenta de luta a serviço de seus próprios interesses e para satisfazer o seu orgulho. Acho isto totalmente inadequado. Embora eu mesmo, durante a guerra, tenha ensinado artes marciais a soldados para serem usadas com o propósito de matar, fiquei profundamente perturbado depois que o conflito terminou. Isto me motivou a descobrir o verdadeiro espírito do Aikido sete anos depois, ao tempo em que surgiu a idéia de construir um paraíso na terra. A razão disto foi que, embora o céu e a terra (isto é, o universo físico) tenha alcançado um estado de perfeição e seja relativamente estável em sua evolução, a raça humana (o japonês, em particular) parece estar em um estado de revolução. Antes de mais nada, devemos mudar esta situação. A compreensão desta missão é o caminho para a evolução do homem universal. Quando cheguei a esta compreensão, concluí que o verdadeiro estado do Aikido é do amor e da harmonia. Assim, o bu (marcial) em Aikido é a expressão do amor. Eu estudei o Aikido para servir meu país. Desta forma, o seu espírito só pode ser o amor e a harmonia. O Aikido nasceu de acordo com os princípios de funcionamento do universo e portanto, ele é um budo (arte marcial) de vitória absoluta.
B: O senhor poderia falar a respeito dos princípios do Aikido? O público em geral vê o Aikido como algo místico, como ninjutsu, já que o senhor, Sensei, derrubou oponentes enormes com a velocidade da luz e levantou objetos pesando várias centenas de libras.
UESHIBA: Ele apenas parece ser místico. Em Aikido usamos completamente o poder do oponente. Assim, quanto maior a força que ele usa, mais fácil é para você.
B: Então, nesse sentido, há aiki em Judo, também, já que no Judo você se sincroniza com o ritmo do seu oponente. Se ele puxa, você empurra. Você se move de acordo com este princípio e o faz perder o equilíbrio e então aplica a sua técnica.
UESHIBA: Em Aikido, não existe agressividade, em absoluto. Atacar significa que o espírito já foi derrotado. Aderimos ao princípio da absoluta não resistência, que equivale a dizer, não nos opomos ao atacante. Assim, não há oponente em Aikido. A vitória em Aikido é masakatsu e agatsu; desde que ela seja obtida sobre todas as coisas de acordo com a missão do céu, você possui força absoluta.
B: Isto significa go no sen ? ( Este termo refere-se a uma resposta tardia a um ataque)
UESHIBA: Não, em absoluto. E tampouco é uma questão de sensen no sen ou go no sen. Se eu tentasse verbalizar, diria que você controla seu oponente sem tentar controlá-lo, isto é, o estado de vitória contínua. Não existe nenhuma questão de vencer ou perder e neste sentido, não há oponente em Aikido. Mesmo que você tenha um, este se torna parte de você, um parceiro que se pode controlar facilmente.
B: Quantas técnicas existem em Aikido?
UESHIBA: Existem cerca de 3.000 técnicas básicas e cada uma delas tem 16 variações... Assim, existem milhares. Dependendo da situação, você cria novas técnicas.
A: Quando o senhor começou a estudar artes marciais?
UESHIBA: Com 14 ou 15 anos. Primeiro aprendi Tenshinyo-ryu Jiujitsu com Tozawa Tokusaburo Sensei, e então Kito-ryu, Yagyu-ryu, Aioi-ryu, Shinkage-ryu, todas formas de Jiujitsu. Entretanto, pensei que deveria existir uma verdadeira forma de budo em algum lugar. Tentei Hozoin-ryu Sojitsu e Kendo. Mas todas estas artes estão voltadas para o combate um a um e não puderam me satisfazer. Assim, visitei muitos lugares no país procurando o Caminho e o treinamento... mas foi tudo em vão.
A: O treino ascético do guerreiro?
UESHIBA: Sim, a procura pelo verdadeiro budo. Quando eu ia a outras escolas, não poderia nunca desafiar o Sensei do dojo. Uma pessoa responsável por um dojo tem obrigações com muitas coisas e assim é muito difícil para ele demonstrar a sua verdadeira habilidade. Eu lhe renderia o respeito adequado e aprenderia com ele. Caso me julgasse superior, renderia meus respeitos e voltaria para casa.
B: Então o senhor não aprendeu Aikido desde o começo.
UESHIBA: Não o chamávamos Aikido então. Estudei todas as artes marciais.
B: Quando foi que o Aikido nasceu?
UESHIBA: Como já disse, fui a muitos lugares buscando o verdadeiro budo. Então, quando eu estava com cerca de 30 anos, me estabeleci em Hokkaido. Em uma ocasião, durante uma estada no Hisada Inn em Engaru, Província de Kitami, encontrei um certo Takeda Sokaku Sensei do clã Aizu. Ele ensinava Daito-ryu Jijitsu. Durante os 30 dias em que aprendi com ele, senti algo como que uma inspiração. Mais tarde, convidei este mestre para vir à minha casa e junto com 15 ou 16 empregados, nos tornamos alunos, procurando pela essência do budo.
A: O Senhor descobriu o Aikido enquanto aprendia Daito-ryu com Takeda Sokaku?
UESHIBA: Não. Seria mais preciso dizer que Takeda Sensei abriu meus olhos para o budo.
A: Então, houve alguma circunstância especial envolvendo a sua descoberta do Aikido?
UESHIBA: Sim. Aconteceu desta forma. Meu pai ficou seriamente doente em 1918. Pedi para deixar Takeda Sensei e fui para casa. No caminho, me foi dito que se eu fosse a Ayabe perto de Kyoto e dedicasse uma prece, qualquer doença seria curada. Assim, eu fui e lá encontrei Deguchi Onisaburo. Depois disso, quando cheguei em casa, soube que meu pai já estava morto. Embora tenha encontrado Deguchi apenas uma vez, decidi me mudar para Ayabe com minha família e acabei por permanecer ali até o fim do período Taisho (por volta de 1925). Sim... Naquela época eu estava com 40 anos de idade. Um dia, eu me enxugava perto de um poço. De repente, uma cascata de ofuscantes luzes douradas desceu do céu envolvendo meu corpo. Então imediatamente meu corpo foi se tornando maior e maior atingindo o tamanho do universo. Enquanto eu era dominado por esta experiência, subitamente compreendi que não se deveria pensar em tentar vencer. A forma do budo deve ser a harmonia. É preciso viver em harmonia. Isto é Aikido, e a forma antiga da postura em Kenjitsu. Depois desta compreensão, fiquei emocionado e não pude conter as lágrimas.